segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O Último Jogo

Estavam todos reunidos como de praxe, TV ligada no volume alto, os homens na sala e as mulheres “tricotando” na copa.

Este seria mais um dos jogos decisivos, das centenas que o octogenário já tinha presenciado de seu time do coração, é bem verdade que seu clube lhe deu muitas tristezas, mas nos últimos trinta anos só alegrias vieram, títulos inéditos e antes inimagináveis foram conquistados, até estádio próprio o time já tinha.

Mesmo com a idade avançada e a realização profissional e pessoal não perdera o gosto de ainda torcer pelo seu glorioso time.

O jogo começa, é uma final na casa do adversário, 30 minutos do primeiro tempo e o gol do inimigo, silêncio na sala, fim da primeira etapa. Começo da fase final, 5 minutos e o empate, festa e algazarra, gritaria e palavrões de alívio, jogo duro e difícil, se der empate o adversário fica com o título.

Vai se aproximando o final da partida quando o zagueiro em arrancada fulminante desde o meio campo avança em direção a área inimiga, faz uma tabela, dribla o goleiro, chuta a bola bate na trave, ricocheteia nas costas de um defensor e entra vagarosamente para o gol, é o apogeu, apoteose, odisséia, carnaval, vibração total, gritaria, choros, enfim mais um título.

Mas algo estava em desarranjo naquele frenesi, o grito e os palavrões do oitentão não foram ouvidos, ele continuava sentado no sofá e vestido com o manto do seu time realçado pela saliente barriga, os olhos estava fechados e no rosto um semi sorriso tranqüilo, chegava o dia que ele sempre desejou, seu filho já sabia e pressentira o que era, a esposa que se encontrava na copa próxima a sala também notara o que estava acontecendo não querendo acreditar que aquele dia havia chegado, seu marido já não estava torcendo mais por aqui, era um desejo antigo, ir embora vendo seu time do coração, a sua segunda religião, como ele se referia, muitas vezes para irritá-la.

O danado era metódico e sistemático, já estava de barba feita e com a camisa do time, em seu escritório no segundo andar da casa tinha um envelope com todas as instruções para o sepultamento e até os funerais ele já havia pagado, queria poupar a família de pessoas inescrupulosas no dia que ele viesse a faltar.

Um amigo ainda tentou reanimá-lo o filho sem reação sabia que não era necessário, seu pai por algum motivo sempre cantava a pedra de como as coisas iriam acontecer, muitas eram óbvias, outras nem tanto, algumas nunca aconteceram, mas aquele dia parecia uma profecia, e de alguma maneira seu filho estava consolado, sabia que era desejo de seu pai matar a saudade de uma turminha que já não via há muito tempo e rever principalmente o pai dele, a pessoa que o ensinara entra outras coisas... a torcer pelo time do coração.