terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O Homem do capacete amarelo

"Não tem ninguém que mereça , Não tem coração que esqueça, Não tem pé, não tem cabeça...(Bicho de 7 cabeças)" Zeca Baleiro

Era uma manhã fria do mês de maio, o dia estava lindo, o céu apresentava várias tonalidades de tons azulados. O movimento na Avenida Antônio Carlos estava bem tranqüilo, bem diferente do
quase caos dos dias atuais.

Luiz Cláudio se sentava em um banco no jardim da clínica, saboreando um café com leite servido em uma caneca plástica, de cor marrom. O vento frio batia em seu rosto e, de longe, observava
um homem de capacete amarelo e uniforme da Telemig que caminhava em sua direção.

Aquele era um dia diferente para Luiz, estava com uma leveza e paz de espírito que há muito não sentia. O funcionário já estava ao seu lado com uma escada de madeira e fazendo anotações
em uma prancheta. Luiz olhava o infinito relembrando muitas coisas que tinha passado até aquele dia quando sua atenção foi chamada pelo homem de capacete.

Começaram a bater papo, o empregado da empreiteira perguntou se ele era funcionário da clínica, Luiz respondeu que era paciente.




Luiz era de uma família classe média, seu pai, funcionário de uma grande empresa de laticínios, e sua mãe, dona de casa. Tinham uma vida confortável, mas sem luxos maiores. Viajam a cada
dois anos para o litoral e se hospedavam em casa de parentes na praia de Carapebus no Espírito Santo. Não possuíam automóvel. Luiz e os dois irmãos mais novos estudavam em uma escola particular na região da Pampulha. Era uma família belorizontina comum.

Luiz Cláudio sempre foi muito inteligente e espirituoso, não era o primeiro da turma, mas não deixava a desejar nas notas. Se dava bem em quase todos os esportes na educação física,
sendo sempre um dos mais requisitados nas gincanas do colégio.
Sua turma era praticamente a mesma desde a quinta série.


Um dia em uma excursão do oitavo ano sobre o ciclo do Ouro, na cidade de Sabará , ocorreu o primeiro sintoma: ao observar a professora dando recados de praxe na parte da frente do especial, ele começou a enxergar um irmão idêntico a ela que fazia uma tradução simultânea por meio de sinais para surdos. Achou aquilo estranho, pois tal visão veio acompanhada por uma dor de cabeça terrível, seus olhos marejaram e quando balançou a cabeça e fixou o olhar na
professora, ela estava rindo normalmente, sem ninguém ao lado fazendo sinais.

Era uma época difícil, Luiz e a família estavam passando por dias de stress. Tinham descoberto que o pai estava com diabetes, fruto de um trauma causado por uma demissão repentina da empresa que trabalhava há vinte e seis anos.

O maior medo era com a saúde do pai, naquele tempo a diabetes era mais preocupante que nos dias atuais.

Luiz não comentou com ninguém tal visão, mas fatos dessa natureza começaram a ser
cada vez mais freqüentes. Coincidência ou não eram sempre precedidos por algum susto ou stress no âmbito familiar.
Certa vez seu irmão mais novo machucou-se no play ground da escola e ele foi
avisado em sala, ao chegar na enfermaria o irmão estava com um olho roxo e sendo encaminhado para o pronto socorro devido aos pontos que iria levar próximo ao olho. Logo que se recuperou do susto e depois de comunicar aos pais, de um orelhão que ficava na portaria da escola, Luiz viu novamente o “irmão gêmeo” da professora de história, desta vez ele usava uma roupa para safaris e falava bem baixo, a dor de cabeça insuportável veio novamente.



Lu, como muitos o chamavam, já estava no primeiro ano,era inicio dos anos 90. Adorava ir à danceterias curtir o som house, usava camisas de malha sempre com motivos de surf ou
temáticas da então famosa grife Company. Tudo corria bem naquele ano, já havia passado em todas as matérias e fazia planos para o próximo período. Era uma tarde tranqüila de dezembro quando recebeu um telefonema: a notícia era a morte de uma de suas melhores amigas num trágico acidente. A partir daquele dia as coisas pioraram, as visões foram cada vez mais freqüentes, no ano seguinte perdeu a primeira média e o pior aconteceu quando em um surto destruiu o laboratório de química da escola.

A saída da escola, a formatura que não aconteceu, a perda do grande amor da adolescência, a internação.

Com um sorriso amplo e sereno Luiz contou para o seu interlocutor parte de sua história e a descoberta da Esquizofrenia na sua vida. Não conseguiu completar o segundo grau, seus amigos
agora eram uma lembrança distante.

Naquele tempo as questões relacionadas com distúrbios mentais não eram tratadas como hoje.

Luiz confessou ao homem que há muito não tinha tais visões, ele tinha consciência de seu problema e que os medicamentos estavam ajudando na busca de uma vida quase normal e que quando saísse dali, iria retomar o rumo de sua vida. Já havia se passado quatro anos,
uma eternidade para um jovem de apenas 22. Sabia que tinha muita coisa para viver. O homem de capacete sorriu. Em alguns momentos da conversa, ele escrevia em um papel apoiado pela prancheta. Um aperto de mão selou a conversa.

O homem entrou pelos corredores da instituição levando a sua prancheta,bateu e entrou na sala do diretor geral da clínica Pinel. Deram um forte abraço, riram e lembraram do tempo da Faculdade de Medicina. O diretor disse que seu amigo estava bem com a roupa da empreiteira e, não delongando mais o assunto, o falso funcionário da Telemig entregou a folha assinada para o
diretor com todas as especificações e com a alta de Luiz Cláudio.