sábado, 13 de dezembro de 2014

A maldição do silêncio


A palavra desgraça é uma das mais impopulares que existem. Muitos sequer a pronunciam, achando que, ao dizê-la, o azar pode  visitá-lo ou que o simples fato de citá-la seria uma convocação pura e simples.


Já ouvi dizer que ela come junto com as pessoas que insistem em convocá-la, que basta virar para o lado que seu prato fica vazio algumas garfadas, sem falar na figura em forma de trouxa que como uma voz fina aparece e fala com quem a convocou - "já que você me chama tanto, estou aqui." Dizem ser uma visão apavorante.


Esta  é a história de Alexandro, um rapaz jovem, batalhador, bom filho, mas que tinha um defeito grave: adorava chamar o nome da "pelada", assim como os soteropolitanos pronunciam a palavra 'porra' com profunda naturalidade, Alexandro usava  este nome maldito em seu vocabulário, diariamente.


Por mais que as pessoas o reprendessem ou lhe dissessem para não pronucia-la, não tinha jeito, ele sempre falava, fosse nas horas boas ou ruins ele não hesitava e lascava um "eh desgraça sô".


Um dia, ocorreu um fato estranho. Alexandro, ao chegar na empresa que trabalhava notou que estava sem as chaves para abri-la, era um molho grande, com várias chaves, ele lembrava que ao sair do estacionamento estava com elas. Estranhamente, caíram no piso do elevador e ele não ouviu o barulho. Alexandro não estava percebendo, mas sua vida estava cada dia mais confusa. Além de esquecer as coisas, sempre estava com a sensação de estar acompanhado.


Numa noite quente de primavera estava na sua casa fazendo algumas contas no pequeno escritório onde ficava sua mesa de estudos. Ele sem querer deixou cair no chão um grampeador, daqueles antigos, bem pesado, para sua surpresa, ao bater no chão ele não ouviu o barulho do grampeador se estatelar, e não era problema de audição, pois o seu notebook tocava a música Paint it  Black dos Rolling Stones, e ele ouvia com nitidez.
 
Alexandro manteve a calma e percebeu que algo muito estranho acontecia. Sempre que  algo caía no chão, perto dele, ele não conseguia ouvir. Passou a noite fazendo testes, desde bola de futebol até um aquário seco foram para o chão como teste, sua sorte era que estava sozinho em casa e ninguém presenciou a mixórdia que a casa havia se transformado. Ele chegou a pensar que devia estar com esquizofrenia.
 
Quando pela força do hábito ele começou a balbuciar o nome da pelada - "oh des...", antes que terminasse sentiu um arrepio na coluna que subiu até a nuca. Ele resolveu olhar para o lado e ali estava, sentada na sua frente, uma senhora com olhar sereno, carregando um trouxa de roupas na cabeça. Ele, gaguejando, perguntou o que ela queria e como havia entrado ali. Ela sorriu e disse: "Você sabe  muito bem quem eu sou, por sorte sua, você é uma pessoa boa e seu único defeito é falar o meu nome sempre, eu só não vou lhe mostrar minha verdadeira face porque, para minha tristeza, você tem um hábito que para mim não é bom, você gosta de rezar para Nossa Senhora do Rosário e nunca tira este penduricalho do pescoço, mas um moço que se diz seu mentor me deixou se aproximar de você por alguns minutos, ele queria que eu lhe desse um recado...
 
Neste momento, Alexandro estava sentindo tanto medo que não conseguiu sentir suas pernas, quando de repente tudo apagou.
 
Acordou no outro dia por volta das duas horas da tarde com uma dor de cabeça absurda, correu no escritório e viu que tudo estava arrumado, não havia nada fora do lugar, até o aquário que havia se espatifado na noite anterior estava intacto.
 
A única coisa que ainda permanecia fora do lugar era um bíblia que estava no chão, aberta no livro do apocalipse, com um marcador da festa de Nossa Senhora do Rosário.
 
Alexandro nunca contou o ocorrido para ninguém e também nunca mais falou o nome da pelada.

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